Em 07 e 08 de março de 2004 trouxe o Samba da Vela (44 pessoas) para o balneario Guarapari no litoral paranaense. Era o encerramento das atividades do Cimples SambaEChoro, boteco que funcionava sòmente na temporada de verão. O ritual foi no sabado a noite conforme a tradição. No domingo montamos uma grande roda, com lona emprestada da prefeitura de Pontal do Paraná.Vieram de Santa Catarina o grupo Bom Partido e a Velha Guarda da Copa Lord. Do Rio o maestro Raul de Barros, Humberto Araujo e diversos musicos de Curitiba. Foi uma baita de uma festa. Comemoração antecipada do meu aniversario também (uma semana antes). Bom, mas a postagem é para contar a historia do Samba da Vela. Achei bem escrita este texto feito pelo Rodrigo Siqueira para o Uol. Lembrando que fui no samba quando ainda era possivel tomar uma cervejinha no fundo, quietinho - ou se sujeitar a uma bronca do Paquera, creio quem em 2000 ou 2001, levado pelo Carmo, na epoca produtor do Quinteto em Branco e Preto. Depois ja fui no centro cultura Santo Amaro, umas tres vezes. Vamos lá:"Uma segunda-feira de dezembro, marginal do rio Pinheiros, chuva rala, sete e meia da noite. No rádio do carro, a repórter avisa do helicóptero: o motorista que segue pela marginal Pinheiros encontra dificuldades até a ponte João Dias, no sentido contrário.
Essa seria uma típica situação paulistana para irritar o cidadão-motorista, não fosse o fato de o destino final ser visitar pela primeira vez a Comunidade Samba da Vela, uma roda de samba que acontece religiosamente todas as segundas-feiras, na Casa de Cultura de Santo Amaro, na Praça Francisco Ferreira Lopes 434 (altura do nº 820 da Avenida João Dias).
A despeito do trânsito caótico, o repórter aqui assinado tinha razões de sobra para não impacientar-se. A visita era para a gravação da primeira de uma série de dez vídeo-reportagens que serão veiculadas aqui no site carnaval 2006, do UOL. Os vídeos abordarão um pouco do que acontece no mundo do samba da capital paulista, personagens das velhas guardas, os preparativos das escolas para o carnaval e também o que a nova geração tem feito para revitalizar e resgatar as peculiaridades e os sotaques do samba de São Paulo.
Já se passaram 50 anos desde que o "poetinha" Vinícius de Moraes soltou, numa noite gelada de 1955, a incongruente afirmação de que "São Paulo é o túmulo do samba". Se na época a assertiva já não fazia sentido, pois a cidade contava com compositores de primeira categoria, cordões carnavalescos e escolas de samba férteis em sambas e sambistas, hoje a frase parece estar enterrada de vez. A comprovação está exatamente na vela acesa no centro de uma roda em que mais de 200 pessoas cantam sambas de compositores inéditos, todas as segundas, na Casa de Cultura de Santo Amaro, e onde poetas da comunidade são incentivados a falar seus versos para o público.
O Samba da Vela surgiu por iniciativa do compositor José Marilton da Cruz, 46, o Chapinha, e de seu parceiro Paqüera (pronuncia-se pacuera mesmo), 46. Eles juntaram-se a Magnu Sousá, 30, e Maurílio de Oliveira , estes dois integrantes do Quinteto em Branco e Preto, e resolveram formar uma roda de samba semanal, em julho de 2000, em que novos compositores pudessem apresentar suas criações.
No começo, a roda era realizada no bar de Chapinha, o Ziriguidum, também em Santo Amaro. De tão profícua, a roda estimulava os freqüentadores a cantar seus sambas novos e varar a madrugada. "Ia até quatro, cinco horas da manhã de segunda pra terça. A roda não acabava porque alguém sempre tinha um samba novo pra mostrar," rememora Chapinha. Como na terça-feira o batente começa cedo, eles precisavam criar algum tipo de ponto final.
Tentaram uma ampulheta e um relógio despertador, mas a precisão irresistível do tempo marcado não combinou com o tempo cadenciado do samba. Foi quando Maurílio, um dos fundadores, deu a idéia de levar um galo para a roda. Quando ele cantasse, o samba teria que terminar. Obviamente não deu certo, diz Chapinha, "o galo canta de madrugada, não ia resolver o problema".
Diante do dilema, a solução partiu de Paqüera: acende-se uma vela e quando ela se apagar também acaba o samba. A estratégia funcionou tão bem que, aos poucos e naturalmente, a própria vela deu à roda carga extra de significados, a ponto de o Samba da Vela transformar-se em um ritual. "Onde tem batuque e uma vela acesa, acaba chegando mais do que gente pra cantar samba", acredita Chapinha. Atraídos pela oportunidade de mostrar seus trabalhos, mais de 100 compositores já apresentaram seus sambas na roda. Hoje em um casarão do século 19 tombado pelo patrimônio histórico, onde funcionou o antigo mercado de Santo Amaro, o Samba da Vela possui uma maneira não menos ritualística de organizar a produção que sai da roda.
Tomando como parâmetro as cores rosa, azul e branco, que representam a comunidade, criou-se um calendário em que, mais uma vez, é a vela que dita os passos.
Durante quatro semanas, sob a chama de uma vela rosa, os compositores apresentam apenas sambas absolutamente inéditos. Distribuem-se as letras e a comunidade os canta pela primeira vez. Nas quatro semanas seguintes, desta vez sob a luz da vela azul, cantam-se os sambas que foram apresentados na vela rosa. É o momento para que a comunidade possa absorver os novos sambas e para que possam ser avaliados.
Os melhores sambas são escolhidos para integrar um caderno de composições do Samba da Vela. É nesse processo que a roda ganhou uma identidade própria, com critérios que dão as características dos sambas da comunidade da Vela. Segundo Chapinha, como primeiro critério, as músicas devem seguir a linhagem dos sambas de terreiro, uma tradicional forma de compor em que as músicas são feitas em apenas duas partes. Na linha do partido alto ou melódica. Forma, aliás, que marcou a parceria de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, no Rio, quando um fazia a primeira parte e a entregava ao outro para que terminasse o samba. Foi assim que nasceu, por exemplo, o clássico "A Flor e o Espinho". Guilherme de Brito riscou num maço de cigarros o verso "tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor" e deu no que deu. Outro critério fundamental, além da "inteligência da letra", é que os sambas da Vela não podem ter a chamada melodia moderna.
Essa que foi exaustivamente utilizada nos pagodes românticos que a indústria do disco vem explorando desde o começo dos anos 1990.
Cada compositor defende seu samba diante da comunidade "sem levar torcida, tem que ser na raça", destaca Chapinha.
Não tem "remandiola", ou seja, sem armação. Os laureados pela banca dos fundadores do Samba da Vela têm suas letras editadas em um caderno que é distribuído nas quatro semanas seguintes, quando são acesas as velas brancas. Desses cadernos, saiu o CD "A Comunidade do Samba da Vela". (Ouça uma faixa clicando ao lado) Quem visitar o Samba da Vela pode ficar surpreso ao ver que na roda não há bebidas alcoólicas. Trata-se de um ritual dedicado exclusivamente ao samba, em que as pessoas vão para ouvir, cantar ou mostrar suas composições.
Ao contrário do que pode parecer, não há desânimo. De alguma forma, seja pelo batuque, pela vela ou pelo cantar, a vibração toma conta das pessoas. Trata-se, sem exagero, de uma sagração do samba. Para justificar a regra, durante a gravação da vídeo-reportagem quebrou-se o protocolo (ou liturgia, no caso) com a visita surpresa de Beth Carvalho, madrinha do projeto, que levou outros dois músicos para conhecer a comunidade. Acompanhado de Leo Maia, filho de Tim Maia, o cantor Seu Jorge levou consigo um balde com cervejas geladas. Depois da autorização de um dos fundadores, a cerveja foi para o centro da roda. Mas para o espanto geral, em um acidente, a tampa do balde escapuliu em cima da mesa apagando a vela, que foi rapidamente reacendida. Lá pelas tantas (a vela durou mais com a presença dos visitantes), ao falar para as cerca de 200 pessoas presentes, Seu Jorge não escondeu seu desconforto pelo acidente. "Estou com vergonha porque a vela se apagou por minha causa", lamentou. Mesmo com o desagravo dos anfitriões, ele insistiu. "Eu sou do santo e sei que tem que respeitar, alguma coisa foi que fez a vela se pagar. Se não era pra ter bebida no ambiente, não tem que ter bebida. Não cheguei negativo, mas eu cheguei sujo da rua. Que sirva de lição.
" Após o encerramento do "ritual", serve-se uma sopa preparada pelo Chefe Oliveira e os boêmios, liberados, migram para o bar em frente à Casa de Cultura a prosseguir com o samba até alta madrugada. Sem a vela, com bebida e a certeza de que o batente está próximo.
Marginal do rio Pinheiros, 3 horas da madrugada de terça-feira, quase nenhum carro na pista, do toca - CD saem os versos de Paulinho da Viola: "beba do samba, beba da chama também".
De volta pra casa, com sorriso no rosto e a imagem da vela acesa, era impossível esquecer os versos falados por Serginho Poeta, motoboy e freqüentador da comunidade. "Dizem que a boemia atrapalha o trabalho, mas por que não dizer o contrário?"
fonte: portal Uol - texto de Rodrigo Siqueira